terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O GREGO NOSSO DE CADA DIA

Por Professor Ívison dos Passos Martins


Estudando português na escola aprendemos que nosso idioma tem sua origem no latim, que foi se modificando através dos séculos até se transformar na língua portuguesa como a conhecemos hoje. Resumindo o processo, por não caber aqui um estudo aprofundado do mesmo, nos propusemos a analisar as contribuições lexicais que tanto enriqueceram nosso idioma. Entre elas, ressaltam-se os aportes de origem helênica, germânica, durante a fase romana. Na próxima fase, a românica, são tomados empréstimos do árabe, da langue d’oc e da langue d’oïl. Durante o Quinhentismo e o Seicentismo encontramos os empréstimos vindos do novo mundo, da África e da Ásia, fruto dos contatos portugueses com novas culturas e idiomas. Finalmente, vieram os empréstimos do francês e a enxurrada de anglicismos em nosso idioma.
Inegáveis as grandes contribuições das línguas nativas, dos falares africanos e tantos outros, nosso propósito aqui é salientar a inestimável contribuição grega ao português. Tanto, que considero descabida a pergunta que, às vezes, se faz ao não entendermos o que alguém disse: “Você está falando grego?”
Com certeza, em não poucos casos, a resposta deverá ser sim. Certo dia ouvi uma amiga dizer: “A rinite alérgica me deixou de cama. Nem pude cuidar dos crisântemos, nem das margaridas...” Já parou para pensar quanto grego existe numa frase tão corriqueira como esta? Pois é, as palavras rinite, alérgica, crisântemos e margaridas são indiscutivelmente de origem grega. Rinite significa, literalmente, inflamação do nariz. Alergia possui o mesmo significado. Crisântemo (chrysanthemo) significa flor de ouro, da junção das palavras chrysós (ouro) e ánthos (flor). E a margarida, quem diria? É também de origem grega, significando pérola.
A língua portuguesa conhece o valor dos empréstimos desde seus primórdios, ainda no latim. Tal fenômeno já ocorria nos primeiros contatos com a Hélade, quando da expansão territorial Romana durante os séculos III e II a. C. Depois vieram os empréstimos lexicalizados, no Renascimento e, também, a partir na evolução científico-tecnológica, principalmente no período que compreende os séculos XIX e XX de nossa era. Em outras palavras, desde o latim, base de nosso idioma, o grego tem sido a fonte de muitos termos que foram incorporados ao nosso vocabulário, além dos prefixos e sufixos que compunham aquelas listas enormes que tínhamos que decorar na escola. E, vale salientar que além de terem penetrado no léxico português, via latim, tais empréstimos entraram, como já salientado, junto com a tecnologia, na a procura de palavras que pudessem dar nome, por exemplo, a um holograma.
E as palavras gregas estão por aí, às soltas, fazendo com que às vezes tenhamos a impressão de que estamos falando grego: no reumatismo da velhinha; na tecnologia do cientista; na História da humanidade; no ousado empreendimento de se fazer um clone; na otite que nos deixa de cama; nas orações coordenadas sindéticas e assindéticas das aulas de português; nos sermões ao mencionarmos os anjos, a Bíblia, o batismo, o apóstolo... no hipermercado; no mega desconto; no autógrafo dado por uma celebridade; na comédia; nos problemas do dia a dia; na vitória do piloto no autódromo; no fósforo que acende o fogo; nos trezentos gramas de queijo; no fotoblog de um amigo; no show pirotécnico de fim de ano; na lógica do pensamento; no telefone, criação de Graham Bell... Enfim, uma infinidade de outros termos gregos, tão comuns.
Quer sejam palavras de sentido intrínseco, fazendo parte do léxico, como é o caso de história, palavra já citada; quer sejam palavras, também de sentido intrínseco, porém sem fazer parte do léxico, como filo, antropo, hiper, dromo, ou logia, onde temos que associá-las a algum outro radical, para que ganhem sentido, como é o caso de antropologia, filantropia...
Torcendo para que a Grécia saia desse terrível abismo* em que se encontra atualmente, seguimos mais e mais usando termos que já são nossos de fato.
Assim, da próxima vez que não entender alguma ideia ou frase, vou pensar duas vezes antes de perguntar ironicamente, é claro, se meu interlocutor está falando grego, um idioma que não é tão estranho assim para nós lusófonos.

* Abismo também é de origem helênica.